O título deste artigo coloca uma questão que, à partida, soa a ridículo de tão simples que é. A premissa ainda vigente é que indivíduos mais rápidos, fortes, resistentes, ágeis e coordenados, no fundo com maior potencial atlético, têm melhor rendimento em competição e, futuramente, maiores probabilidades de integrar a estrutura de alto rendimento. Na realidade, e para bem do futebol de formação, o processo não é assim tão linear. Miúdos inteligentes e dotados tecnicamente podem ser fisicamente débeis e, no reverso da medalha, autênticos atletas podem ter dificuldades a ler o jogo e a executar ações básicas do futebol. Normalmente, os que reúnem o “pacote completo” são aqueles que os clubes e os treinadores querem no imediato, porque o resultado do campeonato acaba por ser o mais determinante para o sucesso do clube e do próprio treinador. Formar dá muito trabalho e os frutos levam tempo a aparecer; a paciência é uma enorme virtude das equipas técnicas no futebol de formação.
Neste âmbito, o desenvolvimento progressivo e equilibrado das capacidades físicas condicionais e coordenativas constitui um suporte fundamental para o trabalho principal a ter lugar nas unidades de treino – os conteúdos tático-técnicos específicos da modalidade – ao longo das diversas etapas do processo formativo. Sim, é verdade que melhor condição física traz diversos benefícios para a maturação e para o crescimento da criança e do jovem e, inclusivamente, previne o aparecimento de lesões osteoarticulares e musculares. Sim, é verdade que um maior potencial atlético pode ser determinante nos resultados desportivos alcançados no processo de formação. Contudo, o mais relevante no futebol infantojuvenil é a influência positiva que pode acarretar na prática do jogo e, em concreto, na dinâmica aquisitiva de competências técnica e táticas em situações de treino contextualizadas.
Recentemente, um estudo de Alessandro Ré e colaboradores (2016) mostrou que o fitness cardiorrespiratório, a corrida de agilidade (zigzag) com a bola e a potência muscular inferior (salto em comprimento sem balanço) explicaram 62% da variância dos envolvimentos com a bola de jovens adolescentes (13.6 – 15.4 anos), que somente haviam praticado futebol por recreação, durante situações de jogo reduzido 5v5 (5-versus-5). Aliás, este trabalho corroborou uma investigação prévia de Randers et al. (2014) com praticantes Sub-10 e Sub-13 de dois níveis de prática distintos: elite e recreativo. Neste estudo, por exemplo, os participantes Sub-13 de nível elite, para além de obterem maior taxa de sucesso na execução de ações técnicas em dois formatos de jogo (8v8 e 11v11), percorreram maiores distâncias total (15%) e acima dos 4 Km/h, comparativamente aos participantes de nível recreativo. Fenner et al. (2016) retiraram conclusões análogas com participantes Sub-10 durante a prática de jogos reduzidos 4v4: o desempenho técnico esteve altamente correlacionado com a distância total e a distância percorrida em alta intensidade.
Portanto, as diversas evidências demonstram que as capacidades físicas condicionais e coordenativas das crianças e dos jovens condicionam a sua envolvência no jogo e, por sua vez, podem facilitar o processo de aprendizagem/aperfeiçoamento de competências tático-técnicas da modalidade, incluindo a criatividade tática. A maior envolvência no jogo traz, também, maior prazer para a criança/jovem e, consequentemente, maior motivação intrínseca para continuar a praticar futebol, independentemente da idade e do nível de habilidade (Randers et al., 2014). No entanto, convém reforçar que o desenvolvimento das capacidades físicas, por si só, não é garante de sucesso no futebol de formação. O trabalho específico (i.e., jogos reduzidos/condicionados, formas jogadas, etc.) deve predominar no treino, pelo que é recomendado que apenas 10-15 minutos de cada sessão devam ser destinados à prática de exercícios, jogos lúdicos ou circuitos de caráter multilateral, no sentido de aprimorar as capacidades físicas condicionais e coordenativas. Com este breve trabalho de cariz físico, conjuntamente com as adaptações fisiológicas proporcionadas pelas situações específicas do treino, criar-se-á e consolidar-se-á uma base sólida para que a aprendizagem do jogo ocorra e o potencial e o talento individuais se manifestem no futuro.
Referências
Fenner, J. S. J., Iga, J., & Unnithan, V. (2016). The evaluation of small-sided games as a talent identification tool in highly trained prepubertal soccer players. Journal of Sports Sciences. doi: 10.1080/02640414.2016.1149602
Randers, M. B., Andersen, T. B., Rasmussen, L. S., Larsen, M. N., & Krustrup, P. (2014). Effect of game format on heart rate, activity profile, and player involvement in elite and recreational youth players. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 24(Suppl. 1), 17-26.
Ré, A. H. N., Cattuzzo, M. T., Henrique, R. S., & Stodden, D. F. (2016). Physical characteristics that predict involvement with the ball in recreational youth soccer. Journal of Sports Sciences. doi: 10.1080/02640414.2015. 1136067
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