Mundo transforma-se e modifica-se a uma velocidade elevada o que requer do individuo uma boa capacidade de adaptação às respetivas mudanças e desenvolvimentos. As crescentes necessidades de rendimento e especialização, não só no futebol como noutras modalidades, exigem do individuo uma resposta criativa, útil e eficaz na resolução de problemas.
Num futebol, considerado hoje em dia mais mecanizado e rigoroso com o lado estratégico cada vez mais presente, torna-se importante e inovador criar condições para promover e estimular a capacidade criativa dos jogadores para que estes sejam capazes de resolver e solucionar problemas do jogo pois as ações, sendo previsíveis, tornam-se facilmente anuladas e contrariadas pelo adversário. Sendo assim, torna-se crucial decidir com mais qualidade e mais rapidamente.
Esta capacidade, denominada de criatividade, é treinável e pode ser estimulada, sendo nas etapas de formação que devemos criar condições para que essa mesma criatividade se desenvolva. Cabe a nós, treinadores, dar essa possibilidade aos nossos atletas. Um exemplo da evidência dessa capacidade é o “futebol de rua”, onde as carências eram supridas com imaginação e ilusão, onde o jogador controlava a sua própria aprendizagem com autonomia, surgindo daí muitos jogadores excecionalmente dotados de qualidade técnica.
Na minha opinião, os clubes de formação deviam optar por uma metodologia de treino baseada no jogo e no uso de formas jogadas, orientadas para os objetivos práticos a atingir, assim sendo, ajudamos os jogadores a identificar, analisar e interpretar problemas no jogo, de acordo com a lógica interna desse mesmo jogo. Posto isto, é de elevada importância, que o ensino-aprendizagem no Futebol seja centrado na tomada de decisão, pois permite aos jogadores tomar variadíssimas decisões de acordo com a interpretação e leitura do jogo de cada um, adaptando-as em função de cada momento do jogo de forma rápida e eficaz. Deste modo, os jogadores vão recolhendo informação durante o jogo a partir de vários pontos como o seu posicionamento, o dos colegas de equipa, adversários e da bola, reagindo assim a essa informação de forma mais rápida e incisiva durante um espaço e tempo limitado.
Uma vez que estamos perante crianças, importa referir que estas mesmas possuem um processamento de informação menos eficaz, armazenando menos informação de cada vez, devido à menor capacidade de concentração prolongada. Cabe a nós treinadores passar a informação mais sucinta e percetivel com uma linguagem adaptada à faixa etária que estamos a trabalhar. É fundamental que numa fase de iniciação o ambiente de ensino-aprendizagem seja agradável e que proporcione satisfação e prazer ao jovem atleta. Contudo, para além do tempo de prática deliberada na modalidade também é absolutamente crucial a qualidade de prática, pois é nestas idades mais jovens que as crianças adquirem experiências e devem ser sujeitas a uma elevada percentagem de estímulos, visto que é nesta fase de infância que a familiarização com o jogo se vai tornando mais evidente.
Outro fator que considero muito importante e que muitas das vezes é negligenciado é a importância do erro. O erro é uma caracteristica natural de alguém que está a iniciar uma atividade, não só referente ao nível técnico, mas também ao nível da perceção e tomada de decisão. O erro é uma parte do processo de ensino-aprendizagem, pois é o que vai permitir que as ações futuras sejam aperfeiçoadas, daí que não devemos punir nem “castigar” os nossos atletas quando erram, pois se o fizermos estamos a desencorajá-los de arriscar e tentar de novo pelo receio de falhar. São através destes mesmos erros em situações de jogo que os jogadores aprendem, pois vão fortalecendo as suas competências através do meio competitivo que é o jogo, sempre na presença das componentes técnicas, táticas, físicas e cognitivas.
Assim, o treino da tomada de decisão deve levar o atleta a percecionar e agir segundo as informações que conduzem ao objetivo da competição, mas também procurar fontes de informação que permitam alcançar o objetivo com maior eficiência. Neste ponto, o feedback do treinador é decisivo, pois não devemos dizer “tudo” ao atleta como se um automatismo se tratasse, tem de ser esse mesmo atleta a pensar e interpretar segundo a sua mesma observação em cada situação. Deve ser este mesmo jogador a ter a autonomia e a descobrir o caminho mais acertado em cada situação, sempre através das “pistas” e orientações do seu treinador.
Exemplos de dois exercicios na presença de tomada de decisão:
Ex: (2×1+GR)+1
Nesta situação, se o jogador com bola não for rápido a “fixar” o adversário e optar ou pelo passe preciso para o seu colega ou pelo drible ou finta ao seu opositor direto, a taxa de sucesso desse exercicio vai ser reduzida, pois dá tempo do jogador em perseguição recuperar a posição, o que passa de uma situação de superioridade numérica para uma situação de igualdade numérica. Neste exercicio, e com a condicionante do jogador em perseguição, estamos a obrigar os dois atletas a serem rápidos a atacar a baliza sem ser preciso dizê-lo pois devem ser estes mesmos a perceber a melhor forma de chegar ao objetivo do exercício.
Nota: Colocar um objetivo para quem defende, duas minibalizas para os jogadores que estão a defender juntamente com o GR (situação de 3×2) quando recuperam a posse de bola poderem ligar através de passe numa das duas minibalizas. Trabalhamos com isto, a tomada de decisão para quem está a defender e o jogo de pés do Gr numa situação de superioridade numérica.
Ex: Exercício do Quadrado (1×1+2GR)
Neste exercício, verificam-se várias situações de 1×1 onde o jogador com bola tem de “enganar” o seu adversário e dirigir-se para uma das duas balizas para finalizar. Esta condicionante de dar ao jogador a escolher a baliza para atacar dá-lhe uma constante tomada de decisão e autonomia face à interpretação e leitura que faz no momento segundo o posicionamento do seu adversário,da bola e da baliza. Assim sendo estamos a trabalhar formas jogadas juntamente com as componentes técnico-táticas, físicas, psicológicas e social que também são treinadas de forma integradas em jogo.
Contudo, conseguimos treinar segundo uma visão macro (Princípios Gerais e Especificos do Futebol), oferecendo aos nossos atletas essa criatividade e tomada de decisão segundo a leitura, decisão e execução de cada um, tornando assim os nossos atletas mais autónomos e com um maior conhecimento do próprio jogo, fundamentado na estimulação individual que vai enriquecer posteriormente o coletivo.
Trabalhamos então, numa lógica de conceitos em vez de sistemas, oferecendo aos atletas mais autonomia para tomarem as decisões que estes consideram mais acertadas em cada situação, isto é, permitir que o atleta tenha uma plena liberdade para decidir mas de uma forma disciplinada cumprindo com os principios básicos. Assim os atletas terão uma maior leque de funções a desempenhar, o que resultará em jogadores
mais criativos e inteligentes, decidindo em cada situação de jogo com responsabilidade e eficácia.
Em conclusão, o Futebol atual necessita de jogadores mais criativos e inteligentes, que consigam resolver problemas que aparecem em jogo, pois o Futebol é cada vez mais estratégico e existe uma maior pressão sobre o portador de bola o que faz com que este tenha que decidir mais rápido com maior acerto nas suas ações, daí que os nossos exercícios de treino devam ser centrados na tomada de decisão, pois permitirá aos atletas a “ler” e interpretar o jogo, a tomar decisões mais acertadas e executar em função de cada momento de forma rápida e eficaz.
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