“A pressa é inimiga da perfeição”; “Roma e Pavia não se fizeram num dia”!!! Dois provérbios que encerram em si tamanha verdade… Escolhi estes, mas poderia indicar muitos mais para nos lembrar de que para crescer é preciso tempo!!! Um bem precioso que nos esquecemos de valorizar e que não há mesmo nada que o possa substituir, nem forma de o adquirir em lado nenhum, a não ser… dar tempo.

Vivemos num mundo à pressa. Queremos conseguir tudo mais rápido, com menos esforço e menos gastos, mas estaremos a proceder bem com as nossa crianças??? Queremos que todas, façam tudo ao mesmo tempo e, se possível, antes do tempo. Sinto que cada vez lhes pedimos mais e lhes damos menos e que confundimos estimulação com exaustão. Falo deste tema a propósito de “educação motora” que é uma das áreas sobre as quais me apraz escrever, mas poderia transportá-lo para a vida.

Ouço muitas vezes a expressão “Parece que as crianças de hoje já nasceram ensinadas” e penso que a usamos para apressar  e saltar fases tão importantes no seu crescimento pois pensamos que estamos a “ganhar tempo”. Esquecendo-nos de que realmente tudo tem um tempo e de que todas as crianças têm o seu tempo!!!

Relativamente às habilidades motoras, por exemplo, será que temos presente que sentar, rebolar, alcançar, segurar, caminhar, rastejar e levantar, vêm antes de, correr, saltar, arremessar, receber, empurrar e puxar? Pressuponho que não. As crianças de hoje, aparentam ser mais evoluídas mas será mesmo assim? Retirámo-las das ruas, dos jardins e dos recreios, que agora condicionamos. Penso que “ensinamos demais” aquelas crianças que nos parecem ter nascido ensinadas. Mas será que lhes demos as oportunidades certas? Será que lhes permitimos realizar descobertas, explorar, procurar caminhos e novas soluções? Apetece-me citar Piaget, “cada vez que alguém ensina prematuramente a uma criança algo que ela poderia ter descoberto, essa criança é impedida de inventá-la e, consequentemente, de compreendê-la completamente” (Piaget, 1977: 89).

Como professora de Educação Física, preocupa-me que muitas crianças que me chegam por volta dos nove, dez anos, não consigam equilibrar-se num pé, saltar ao pé coxinho ou a pés juntos num só tempo, rolar sobre si próprias, entre outras ações tão básicas. E a mim, pedem-me que lhes ensine as habilidades dos desportos coletivos e individuais, ou seja, a coordenação das habilidades motoras básicas, que elas não adquiriram, numa lógica complexa de encadeamento  das mesmas. Mais do que preocupada, fico triste, muito triste e pergunto-me muitas vezes, o que é que estamos a fazer às nossas crianças? Gosto muito de as observar nas suas brincadeiras, nos intervalos e, claro, as brincadeiras mudaram, os tempos são outros… mas tenho muitas saudades de as ver a jogar à macaca e a saltar ao elástico, costumava ficar horas a apreciar estas brincadeiras. Nos intervalos de hoje a macaca, a cabra cega e o elástico desapareceram. Ainda vejo algumas a jogar à bola e outras à apanhada, mas vejo muitas, mesmo muitas, sentadas com as suas tecnologias, isoladas do mundo.

Alguém se lembra da riqueza de um jogo da macaca? Primeiro, desenhar o espaço, com giz, com pedras, com qualquer coisa que escreva… de seguida, lançar a pedra e acertar na quadrícula certa (coordenação óculo-manual, visão espacial, etc.) Depois, saltitar sobre um pé, ou sobre os dois, equilibrar-se num pé, apanhar a pedra sem a deixar cair e voltar a fazer tudo outra vez.

Hoje as nossas crianças exploram os espaços, muitos deles fechados, que nós construímos para elas. E, se num desses espaços houver um obstáculo para contornar, uma tiver a ousadia de subir e passar por cima, estamos lá nós, “não é assim que se faz!”, como se não existissem mil formas de ultrapassar um obstáculo!

Relativamente ao Futebol, que é outra das paixões que me move e sobre a qual este blogue de desenvolve, penso exatamente da mesma maneira. No meu tempo, as crianças começavam a jogar futebol federado por volta dos doze anos. Mas quando iniciavam esse processo, tinham muitos anos de saltos, de exploração do próprio corpo, do espaço, da bola, sei lá quantos jogos e joguinhos se praticavam antes de se “condicionar” o Futebol.  Hoje, é diferente, os miúdos começam a jogar aos três anos e nós dizemos: “Tens de passar a bola, tens de transportá-la se tiveres espaço, tens de rematar à baliza, tens, tens, tens!!! Depois queixamo-nos de que não há criatividade, não há recreação, não há paixão. Enfim, não há porque nós, os adultos, não estamos a ser honestos com as nossas crianças e não as deixamos ter o seu tempo de SER CRIANÇA!

 

Bibliografia

Piaget in Carmichael, Leonard;  Manual de Psicologia da Criança. São Paulo: EPU/USP 1977, V4: 89.

1 Comentário

  1. Dília
    1 Outubro, 2020
    Responder

    É uma grande verdade, que muitas vezes só nos damos conta quando eles jé cresceram.

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