Agora que a época chegou ao fim (infelizmente mais cedo do que gostaríamos), achamos que seria um timing oportuno para uma análise à questão da não existência de classificação oficiais no escalão de Benjamins (sub-10 e sub-11).

Foi decidido pelas entidades competentes, que, na época desportiva 2019/2020, fossem abolidas as classificações oficiais no escalão de Benjamins.

Ainda que estejamos totalmente de acordo que, nestas idades, o carácter lúdico é muito mais importante que o carácter competitivo, permitam-nos discordar que a abolição das classificações seja a solução. Enquanto treinadores de uma equipa deste escalão e também enquanto pais de atletas do mesmo escalão, estamos em crer que o problema é muito mais lato que o haver ou não classificação.

Até porque o carácter competitivo faz parte do desporto e é importante para os jovens aprenderem a ultrapassar os desafios e a trabalhar em equipa para que, futuramente, possam ser melhores homens e/ou mulheres. Mas para isso, mais importante que os ensinar a ganhar é preciso ensinar-lhes a ganhar respeitando os valores inerentes ao fair-play e ao respeito pelo adversário.

Por exemplo, nós esta época tivemos um grupo de cerca de 30 atletas e, como seria perfeitamente expectável, tínhamos “níveis de prontidão competitiva” (para usar um termo técnico, já que hoje em dia toda a gente parece ter que os usar para que a sua opinião possa ser vista como “válida”) completamente díspares, desde atletas que já iam para a 5ª época no clube a outros que estavam a dar os primeiros passos.

Estávamos inscritos no campeonato Distrital da AF Lisboa (competição oficial, com árbitros oficiais, mas sem classificação) e, evidentemente, para possibilitar que todos pudessem competir, tivemos de nos inscrever também num torneio. Curiosamente, o torneio, apesar de ser para níveis de “formação”, sem árbitros oficiais, tinha classificação e a mesma era divulgada a cada jornada (que acontecia quinzenalmente).

No entanto, era nossa intenção, enquanto equipa técnica, que todos tivessem hipótese de participar em (pelo menos) um jogo do campeonato da AF Lisboa[1]. Contudo, sem uma classificação que nos pudesse “balizar” relativamente à qualidade das equipas com quem íamos jogar, com tantos jogadores para fazer a gestão e desconhecendo a qualidade das equipas contra as quais iríamos jogar, podíamos correr o risco de formar um grupo e perder um jogo por 15 ou 16 a 0, assim como poderia acontecer o contrário e sermos nós a ganhar por esses números.

Por acaso conseguimos, ainda que de forma oficiosa, fazer uma classificação, o que nos possibilitou, após a realização de alguns jogos por parte de todas as equipas, ter uma ideia da valia de cada uma delas e assim procurar fazer uma gestão mais adequada, nomeadamente tentando ajustar o nível do grupo escolhido para ir a jogo com o nível do adversário desse mesmo jogo e, assim, dar oportunidade a todos os jogadores e procurar evitar os tais resultados desnivelados (quer para um lado quer para o outro).

[1] Com muita pena nossa, face à interrupção abrupta da época desportiva e por um ou outro motivo (como, por exemplo, atrasos na inscrição dos atletas), isso não foi possível, ficando a faltar 2 ou 3 jogadores, situação da qual também fazemos mea culpa.

Aliás, os resultados desnivelados são para nós, conjuntamente com o comportamento/postura dos pais face à competição (o que felizmente no nosso caso não acontece, pois temos um grupo de pais perfeitamente alinhado com os princípios da formação de jovens atletas e sempre disponíveis a ajudar no que for preciso), o grande problema do futebol de formação.

E se para o comportamento/postura dos pais, o facto de não existir classificações oficiais poderá contribuir positivamente, esse facto não acabará com a “pressão” que muitos deles colocam sobre os atletas, uma vez que, apesar de não haver um lugar de classificação final para “lutar”, continuam a haver jogos todos os fim-de-semana para “ganhar”. Assim, neste ponto, a intervenção deverá passar sobretudo pela educação cívica e desportiva, sendo que já existem ações nesse sentido.

Adicionalmente aos pais que só querem ganhar, há também treinadores (principalmente os que querem fazer carreira no futebol) que querem ganhar e, se possível, por muitos, para mostrar serviço e assim “subirem” níveis na hierarquia dos escalões de formação.

E é tão “fácil”, quando um jogo está desnivelado a nosso favor, condicionar o jogo da nossa equipa para que o resultado não se avolume ainda mais. Por exemplo, num jogo que estávamos a ganhar 8-1 ao intervalo, lançámos o desafio de marcarem golos só depois de a bola ter passado por todos os jogadores…acabámos por ganhar 10-2, o que, na nossa opinião, foi bem melhor que ganhar por 16/17/18 ou até mesmo 20 a 1 ou a 2.

Num outro jogo, contra a equipa que, com o decorrer do campeonato, viríamos a perceber que era a mais fraca da nossa série, começámos a ganhar por alguns golos de diferença. Nesse jogo, apesar de não termos criado condicionalismos “formais”, bastou pedir aos nossos jogadores para, mais do que atacar a baliza do adversário de uma forma incisiva, procurarem fazer jogadas pelos corredores. Eles com o elevado fair-play que têm e sabendo que se fosse ao contrário também não iam gostar (porque já lhes aconteceu algumas vezes) perceberam a nossa ideia e passaram a pressionar muito mais atrás. No entanto, não deixaram de procurar marcar golos, mas fizeram-no sempre de uma forma correta e com elevado respeito pelo adversário.

Curiosamente (ou não), no final do primeiro jogo referido, quando um de nós foi assinar a Ficha de Jogo, o árbitro deu-nos os parabéns pela qualidade do grupo e pela atitude demonstrada. No segundo jogo, tivemos um pai de um atleta que estava a fazer a sua primeira época (mas que já tinha experiência do futebol de formação, uma vez que o filho mais velho era jogador, num outro clube, em escalões ditos já de competição) veio dar-nos os parabéns pela nossa postura, dizendo que o que nós tínhamos feito era o que distinguia os verdadeiros treinadores de formação.

Face ao exposto, perguntamos se será que, por não existir classificação, os resultados desnivelados deixam de existir? Será que, adicionalmente aos problemas anteriormente indicados, o problema não estará também no facto de alguns clubes inscreverem equipas na competição, sem que o grupo esteja minimamente pronto para isso, com o intuito único de obterem os subsídios que daí advêm?

A classificação tem o “peso” que lhe quisermos dar. Nós, enquanto equipa técnica, nunca nos preocupámos se ficaríamos em 1º, em 5º ou em último, mas sim em gerir o grupo no sentido de tentar ajustar o nível dos nossos jogadores ao nível (expectável) do jogo. Muitas vezes, no final dos jogos perguntamos aos nossos jogadores: “Divertiram-se?”, “Aprenderam coisas novas hoje?”. Quando a resposta é “Sim”, a nossa afirmação (independentemente do resultado) é “Então hoje ganhámos”. A única coisa que lhes pedimos é que tentem aplicar no jogo aquilo que aprenderam no treino.

Aliás, daqui por uns anos, já não nos vamos lembrar do jogo e do resultado contra a equipa X, Y ou Z…mas, seguramente, que nós e os nossos atletas não nos vamos esquecer das palavras do árbitro e do pai que referimos anteriormente. Essas sim, são as vitórias que ficam!!!

Somos apologistas que, mais que abolir a classificação, até porque, conforme mencionámos anteriormente, não existindo classificação continuará a haver “pressão” sobre os miúdos para ganhar jogos (sobretudo por parte de alguns pais, mas também de alguns treinadores), seria muito mais benéfico rever o atual quadro competitivo.

Assim, em vez do modelo atual (de várias séries com x equipas em cada série, num campeonato a duas voltas), porque não fazer séries mais pequenas, fazendo numa 1ª fase uma volta única e numa 2ª fase ajustar as séries (por exemplo, os 2 primeiros de cada série formavam uma série, os 3º e 4º outra série e assim sucessivamente).

Eventualmente, aí já estaríamos a jogar em séries equilibradas e, com isso, evitar os tais resultados desnivelados que conduzem a uma desmotivação (principalmente a quem perde, mas também a quem ganha, por não se sentir “desafiado”) e que, em caso extremo, podem levar inclusivamente ao abandono da modalidade e até mesmo do desporto.

E será que, ao participar constantemente em jogos equilibrados, isso não iria aumentar a motivação de todos os intervenientes e até desenvolver ainda mais os atletas, uma vez que estão a competir num nível “ajustado” ao seu nível de desenvolvimento?

Como é evidente, não somos donos da verdade e aceitamos qualquer opinião contrária à nossa, podendo inclusivamente vir a mudar a nossa opinião quanto a esta temática.

No entanto, até que nos possam convencer do contrário, somos contra a abolição da classificação (apesar de termos referido anteriormente que percebemos o porquê desta decisão) e, como tal, queríamos deixar aqui este artigo, não para fazer prevalecer a nossa opinião como uma verdade absoluta, mas sim para reflexão/debate desta temática.

[1] Com muita pena nossa, face à interrupção abrupta da época desportiva e por um ou outro motivo (como, por exemplo, atrasos na inscrição dos atletas), isso não foi possível, ficando a faltar 2 ou 3 jogadores, situação da qual também fazemos mea culpa.

Autores: Ricardo Costa e Paulo Rodrigues (Treinadores de Futebol – Grau I)

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