O scouting é talvez das temáticas mais complexas e que nos dias de hoje requer maior dedicação na medida em que implica um investimento enorme em horas de trabalho e desempenha um papel fundamental e decisivo no futebol moderno. Primeiro e antes de entrar na temática em si, devemos perceber do que se trata a temática que irei abordar, ”O que é o Scouting?”. No meu entender, o scouting é um processo de observação e análise que tem em vista a obtenção de informação por forma a potenciar ao máximo aquilo que pode ser a prestação do atleta e da sua equipa. Quando defini o que para mim era o scouting optei por focar a prestação ao invés de rendimento, pois considero que no contexto de formação se deva falar de potencial e não de rendimento. Claro que estas questões são afetadas por aquilo que é o projeto do clube mas parto do pressuposto de que este mesmo projeto consiste no desenvolvimento dos atletas com o objetivo de atingirem a equipa sénior ou, caso seja um clube profissional, o alto rendimento.
Quando falamos em scouting falamos em talento. Podemos interrogar-nos sobre o que é talento afinal? A meu ver não existe uma definição concreta do que é o talento, é um conceito carregado de uma tamanha complexidade e que pressupõe inúmeras variáveis dificilmente quantificadas, é subjetivo e assenta muito naquilo que é o entendimento e conhecimento do jogo por parte de quem observa determinado comportamento, ação ou atitude. De uma forma mais abreviada e tentando dar resposta ao que, para mim, é o talento, considero que consiste no conjunto de todas as competências do atleta quer de natureza técnica e tática quer cognitiva por forma a dar resposta aos “problemas” ou situações impostos pelo jogo tornando-as favorável para si e para a sua equipa. Uma outra questão pode surgir quando falamos deste conceito,”Será que o talento é inato e algo que nasce com a pessoa?” Certamente a genética terá alguma influência, existindo, no entanto muitos outros fatores para além desse. Um exemplo, um atleta que passe os dias sentado a jogar computador, não irá estimular o desenvolvimento do seu talento, pois não há talento sem trabalho, sem treino, sem jogo, em suma, sem tempo despendido na prática desportiva. O talento advém, mais do que tudo, da repetição de estímulos, de modo a aperfeiçoar e potenciar aquilo que, de certa forma, já adquirimos, o que promove igualmente a evolução em aspetos em que se revelem maiores dificuldades.
Passando agora á temática do scouting em si, podemos dividir segundo áreas de intervenção em três grandes sub-temas: Observação e análise individual (pode ser feita ao atleta da própria equipa ou equipa adversária), observação e análise coletiva da própria equipa e observação e análise coletiva da equipa adversária.
Começando pela observação e análise individual ao jogador da própria equipa esta pode ser uma boa ferramenta para nós treinadores conhecermos o atleta que temos à nossa frente, com quem lidamos diariamente, perceber a sua essência e padrões comportamentais – o seu caráter. Posto isto, é fundamental conhecer a nossa equipa e dessa forma potenciar ao máximo os atletas individualmente e, posteriormente, o coletivo. Extrair a maior informação possivel dos atletas quer em treino quer em jogo. É também extremamente importante na medida em que se consegue perceber se o feedback foi ajustado, se foi baseado ou não nos critérios de êxito de uma ação técnica por exemplo. Permite averiguar onde posso potenciar ainda mais algumas competências num determinado atleta e melhorar as competências que ainda não foram adquiridas ou não se encontram totalmente interiorizadas. Para obter o maior número de dados possivel tendo em conta aquilo que queremos observar, podemos por exemplo na sessão de treino colocar uma câmara a gravar o treino ou até mesmo, sem recurso á camara, pedir ao nosso adjunto ou outro elemento da equipa técnica para esteja focado naquilo que queremos observar. É absolutamente crucial este tipo de práticas, por mais que o treinador tenha a experiência e o tal “olho clínico” há sempre coisas que nos escapam. Podem ser aplicadas estas estratégias de modo a verificar se determinado objetivo delineado para um exercício é ou não atingido, por exemplo, partindo do pressuposto de que queríamos trabalhar finalização e que ocorreram golos, isto não quer dizer que o objetivo foi alcançado tanto em
termos de qualidade como quantidade, sendo que os golos podem ter sido efetuados, na sua maioria , por um mesmo jogador ou um restrito número de elementos da equipa e por isso haverá um défice no trabalho desta competência por parte dos restantes que se pretendia que tivessem finalizado eficazmente também, sendo que neste caso a repetição dessa ação por parte dos jogadores pode ser bastante reduzida e não atingindo os marcadores somáticos essenciais à aquisição de um determinado comportamento.
Passando á observação e análise individual do jogador da equipa adversária, o chamado trabalho de prospeção de jovens talentos, temos de ter em conta, primeiro que tudo, que não devemos confundir o rendimento da equipa com o rendimento individual e focar-nos em observar apenas o individual. Um exemplo, a sua equipa está a jogar mal e o atleta não se consegue evidenciar, isto não quer dizer que não tem talento. Primeiramente, a destacar nestas idades, há que perceber se o atleta tem paixão pelo futebol e prestar atenção à sua relação com bola. Posto isto, há que tentar traçar um perfil do atleta através dos comportamentos que demonstra perante os colegas, adversários e no próprio jogo, e se se mostra competitivo ou não. Observar o que o atleta demonstra com bola, isto é, como toma decisões – tomada de decisão, mais importante que as habilidades são as aptidões. Um exemplo, o atleta encontra-se sem oposição e em posição frontal relativamente à baliza e remata. O remate saiu fraco e não foi ao encontro da baliza porque o atleta ainda não tem força para executar a ação técnica. O importante aqui é perceber que cognitivamente ele entendeu que a melhor solução era o remate. MAIS IMPORTANTE DO QUE FAZER É SABER O PORQUÊ DA AÇÃO. Para além de observar o que o atleta faz com bola, entender e observar o que faz sem bola, se tem espírito de cooperativismo com os colegas no momento defensivo, se está comprometido na procura da recuperação da bola, como demonstra interpretar o jogo, como se posiciona em campo, como faz a leitura do jogo, se tem em conta a posição da bola em função da baliza, colegas e adversários, se mostra capacidades de antecipação (Ex: perceber quando o adversário vai efetuar um passe e no momento correto intercetar a bola) e ainda prever alguns comportamentos que o adversário vai tomar. MAIS IMPORTANTE DO QUE OS GOLOS QUE MARCA É PERCEBER COMO OS MARCA. Por fim, perceber como reage aos estímulos que o jogo está a exigir no momento, e consegue adaptar os seus comportamentos ao que o
jogo está a pedir(Ex: atleta de baixa estatura a cabecear uma bola aérea porque era a melhor opção a realizar no momento).
Passando agora á observação e análise coletiva da própria equipa, sou apologista de que em idades muito jovens até á competição e posterior formulação do modelo de jogo, estas estratégias de análise são importantes na medida em que podemos retirar alguns indicadores como: a interação dos atletas num coletivo, isto é, as relações que estabelecem entre si, se existe cooperação entre os elementos da equipa; se estes apresentam maior ou menor capacidade de superação quer em treino quer em jogo e desempenho coletivo correspondente às vertentes técnicas e táticas, físicas e humanas do jogador enquanto individualidade. Quando entra competição e modelo de jogo já se justifica a observação de comportamentos coletivos, apesar do foco continuar a ser o jogador enquanto individualidade. É fundamental que este modelo de jogo seja estruturado de forma a potenciar e desenvolver o jovem atleta no seu contínuo processo de evolução. Este mesmo modelo de jogo deve ser entendido por parte do treinador como sendo uma preparação para o que os atletas vão encontrar daí em diante.
Quanto à observação e análise coletiva da equipa adversária, nas faixas etárias antes da competição e modelo de jogo não é importante nem faz sentido pois não precisamos de avaliar o adversário, sendo que o essencial são os nossos jovens atletas. A partir daí já se justifica que se retirem alguns indicadores como a organização da equipa em campo, um pouco daquilo que é o seu modelo de jogo e padrões frequentes realizados pela equipa, no fundo perceber aquilo que, nós no futebol, chamamos de identidade da equipa. Analisar os esquemas táticos ofensivos e defensivos de modo a poder surpreender o adversário e não ser surpreendido. Entender melhor o treinador que vamos defrontar, um pouco do seu histórico e perfil é sempre importante para tentar prever como este se poderá comportar no jogo contra a nossa equipa. Por fim, analisar jogos se possivel contra equipas de nivel similar á nossa pois pode ser uma vantagem perceber como a equipa se comporta com adversários do nível da equipa que alinhamos. Quando falamos de análise do adversário temos de perceber que toda a informação que retiramos pode ser essencial no planeamento do microciclo e preparação do confronto nessa jornada. No entanto, algo que devemos ter em conta é que, primeiramente, temos de ter o nosso modelo de jogo e identidade bem definidos e interiorizados pelos nossos jogadores, para só depois passarmos à parte relativa ao adversário.
Em tom de conclusão, relativamente ao scouting, existem algumas considerações que, no fundo, permitem perceber o que se pretende. Em primeiro lugar, há que considerar a pertinência da informação que queremos recolher de forma a que o foco incida num conjunto de aspetos específicos e concretos, quer seja em termos de ações técnicas, atitude entre outros no que diz respeito ao jogador enquanto individualidade ou equipa. Posteriormente segue-se a seleção e análise da informação, presumivelmente, útil num dado contexto ou tendo em vista determinado fim. Posto isto, todas as estratégias que se destinam a esta observação minuciosa e pormenorizada só farão sentido caso exista a capacidade de utilizar corretamente a informação obtida, a título de exemplo, tendo em conta, durante a preparação do microciclo, algumas nuances que o adversário que iremos defrontar possa apresentar, sempre com a nossa ideia de jogo e identidade bem definida e interiorizada pela nossa equipa. Outro exemplo será o caso de se detetar alguma lacuna ou défice em determinada competência ou ação de um jogador que exigirá a disponibilidade de meios para que se possa trabalhar/treinar esse aspeto e com isto tornar os atletas o mais completos e evoluídos possível, potenciando aquilo que são as suas características iniciais e por conseguinte a equipa, no seu conjunto.
Antes de tudo, gostaria de deixar desde já os parabéns ao Mister Luís Fróis pelo excelente artigo que aqui nos deixou.
Estou perfeitamente de acordo quando refere que, em idades mais precoces, “mais importante do que fazer é saber o porquê da ação”.
Assim, ainda que “fugindo” um pouco ao Scouting propriamente dito, mas aproveitando este espaço e pegando igualmente na sua afirmação que se deve “observar o que o atleta demonstra com bola, isto é, como toma decisões”, gostaria de saber a sua opinião, enquanto treinador, se nestas idades precoces o processo de treino se deverá centrar essencialmente no desenvolvimento das capacidades técnicas ou se deverá desde logo incidir na tomada de decisão (vindo o desenvolvimento das capacidades técnicas por acréscimo, em consequência “natural” do treino)?
Obrigado
Bom dia, desde já agradeço a questão pertinente que me colocou. No meu entender o processo de treino tem de ser uma junção de ambas, isto é nós temos de definir muito bem os nossos objetivos de cada sessão, os exercicios que definimos têm de englobar grande parte das ações técnicas que o jogo é caracteristico, não é por acaso que a melhor forma de preparar os atletas para um jogo é jogá-lo. Quanto á parte mais cognitiva, esses mesmos exercicios devem estimular ao máximo o nosso atleta de forma a que ele desenvolva essas competências e a parte dái ele vai estar mais capaz de autonomamente decidir os problemas e aquilo que chamamos o caos do jogo. Na minha opinião nao devemos separar técnica de cognição, o treino tem de ser um mix das duas.