Qualquer treinador, independentemente do escalão com que trabalha, procura o sucesso. No entanto, importa ter consciência que esse mesmo sucesso é mensurável de forma diferente consoante o respetivo escalão. Na minha perspetiva, nas etapas iniciais de formação, o sucesso deve estar diretamente relacionado com o processo e não com o resultado (o qual tem mais peso nas etapas de rendimento). Não obstante, a mentalidade vencedora deve sempre ser induzida no seio da equipa, visto que a natureza do jogo desportivo coletivo sugere que se consigam marcar mais golos ou pontos do que o adversário para atingir a vitória.
Para que haja sucesso, devemos ter em consideração quais as caraterísticas dos nossos jogadores enquanto crianças/jovens numa fase exponencial de desenvolvimento das suas capacidades. No meu entender, os treinadores de futebol de formação devem questionar-se da seguinte forma: “Quero um atleta que consiga respeitar aquilo que lhe mando fazer ou quero um atleta capaz de resolver os problemas e tarefas de jogo de forma autónoma e recorrendo à sua capacidade de decisão e inovação?”.
“Jogas futebol com a cabeça, as pernas estão lá para te ajudar” (Johan Cruyff)
Apoiando-me nas palavras referidas por Samulski et al. (2001) e, de forma a procurar conceitualizar a criatividade no futebol, entendo que a mesma seja associada a algo inesperado, inovativo ou fora dos padrões normais de ação que o atleta consegue realizar num contexto desportivo. Tal como em qualquer outra área de trabalho, a capacidade de criar algo novo é vista como um fator determinante para atingir o sucesso.
Para que se consiga estudar a criatividade no desporto, o autor Memmert (2013, 2014) sugere dois conceitos baseados na distinção teórica entre o pensamento divergente e convergente realizada por Guilford (1967). A Criatividade Tática (pensamento divergente) é compreendida como a conceção de uma variedade de soluções em situações táticas específicas individuais, de grupo ou de equipa que podem ser denotadas como surpreendentes, raras e/ou originais. A Inteligência Tática (pensamento convergente) diz respeito à produção da melhor solução para uma situação de jogo específica individual, de grupo ou de equipa.
No processo de desenvolvimento do ser humano existem janelas ótimais, nas quais deve ser dada ênfase em diferentes capacidades (condicionais e coordenativas), sem discriminar nenhuma delas por completo. Estudos realizados por Memmert (2010) indicam que existe um desenvolvimento da Criatividade Tática mais acentuado dos 7 aos 10 anos de idade, visto que o número absoluto de sinapses e densidade das mesmas atingem o seu máximo na referida faixa etária (Huttenlocher, 1990).
“Os jogadores mais criativos ao contrário dos menos criativos tiveram a oportunidade de experimentar e praticar várias modalidades diferentes na sua infância; foram capazes de experimentar diferentes situações de jogo em equipa; jogaram em várias equipas não estruturadas (jogo livre) e sem instruções; e participaram durante muito tempo num treino orientado para o golo nos seus desportos (prática livre).” (Memmert, 2013)
Seguindo a mesma lógica dos factos supramencionados por Memmert (2013), para que uma criança seja capaz de criar soluções originais e criativas é importante que a mesma experimente vários desportos numa fase inicial da sua formação desportiva. Sendo que, para o desenvolvimento de um grande repertório psico-motor e cognitivo, as crianças experimentem também a jogar com diferentes bolas, em diferentes terrenos, a usar as mãos, os pés, raquetes, sticks, etc. Desta forma, as crianças são obrigadas a pensar em diferentes situações de jogo e de diversas maneiras.
O pensamento criativo é influenciado por múltiplos fatores, entre eles a atenção e a motivação. Para facilitar a capacidade de foco na tarefa, o treinador deve ter o cuidado de não estar constantemente a “pensar pelo atleta” ao dar instruções em demasia ao mesmo. Tendo um elevado índice de foco no treino ou no jogo, o atleta tem maior perceção daquilo que o rodeia, possibilitando o mesmo de tomar decisões ajustadas ao momento e de encontrar soluções originais. Relativamente à motivação, vários estudos revelam que instruções que provoquem felicidade podem conduzir para desempenhos criativos.
Com o decorrer dos tempos, tem ocorrido uma melhoria no que diz respeito às metodologias utilizadas no treino de futebol, estando a cair em desuso o trabalho analítico para uma melhoria focada nas habilidades técnicas. Garganta, J. et al. (2006) sugerem que a forma de aprendizagem nas faixas etárias iniciais deva ser incidental-intencional, ou seja, que se crie contextos em que os atletas joguem para aprender e aprendam a jogar. Dessa forma, a capacidade técnico-tática desenvolve-se de forma implícita. Os mesmos autores sugerem também que a “sequência efectiva de aprendizagem de regras tácticas segue o lema: “ensino implícito antes de explícito””, o que significa que a aprendizagem não se traduz na indicação direta de solução para os determinados problemas, mas sim da criação de contextos que possibilitem a aprendizagem de forma autónoma.
Na criação de ambientes propícios ao desenvolvimento da criatividade estamos também a ter preocupação com outros valores importantes como a autonomia, a responsabilidade, a iniciativa, a liderança, entre outros, que são elementos valiosos para a construção da personalidade e do futuro de uma criança/jovem.
Na minha opinião, estamos sempre em constante formação/desenvolvimento e somos fruto das experiências que temos no nosso dia-a-dia, onde aprendemos com tudo e com todos. Dessa forma, tanto a criatividade como a motivação e, por consequente, uma maior predisposição para a prática, podem estar relacionadas com aquilo que vemos e vivemos.
Um dos aspetos que também compreendo ser significativo são as fontes de inspiração. De forma geral, as crianças/jovens que praticam futebol aspiram chegar aos grandes campos e grandes competições e a inspiração nos seus ídolos, a ambição e o “sonhar alto” são determinantes para que a criatividade se desenvolva. O treinador, tem uma vez mais, um papel decisivo para ajudar os seus atletas a perseguirem os seus sonhos e a construírem um “eu” próprio, mesmo que alicerçado em vários ídolos (imagens).
Por fim, cabe-nos a nós, treinadores de futebol de formação e autênticos influenciadores do desenvolvimento integral de crianças e jovens, compreender quais os nossos propósitos para promover inteligência, criatividade e capacidade nos atletas a partir da prática de uma modalidade desportiva.
“Em todos os JDC a qualidade do conhecimento táctico dos atletas para escolher “o que fazer”, tomar uma decisão táctica, une-se à beleza da habilidade técnica, ao “como fazer”, isto é, à motricidade escolhida para concretizar a acção, que surpreende tanto os espetadores como os próprios praticantes e pesquisadores.” (Garganta, J. et al., 2006)
Referências Bibliográficas:
– Memmert, D. (2013). Tactical Creativity. In T. McGarry, P. O’Donoghue, & J. Sampaio (eds.), Routledge Handbook of Sports Performance Analysis (pp. 297-308). Abindon: Routledge;
– Memmert, D. (2014) Tactical creativity in team sports. Research in Physical Education, Sport and Health (pp. 13-18). Cologne, Germany;
– Samulski, D. et al. (2001). Principais correntes de estudo da criatividade e suas relações com o esparto. Movimento (pp. 57-66). Porto Alegre, Brasil;
– Tavares, F., Greco, P. & Garganta, J. (2006). Perceber, conhecer, decidir e agir nos jogos desportivos coletivos. In Go Tani, J. Bento & R. Peterson (Eds.), Pedagogia do Desporto (pp.284-298). Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
Fundamental à criatividade