O Futebol é, na sua essência, uma arte de interpretação e conquista de espaços, criação de vantagens numéricas e/ou espacial e busca por um denominador comum a todos os seus intervenientes – marcar muitos golos e sofrer poucos. Quando se fala em espaços e posse de bola no futebol, estamos, na realidade, a falar de um dilema geográfico que será resolvido por quem ocupar todas as zonas, corredores e sectores do relvado de forma mais racional.
Uma das grandes doenças do futebol moderno reside na ideia de que jogar com qualidade passa pelo facto de se construir curto a partir do guarda-redes. Na realidade, basta uma breve análise pelas principais equipas do continente europeu para se entender que existem equipas competentes em ataque organizado, como existem equipas competentes a jogar em ataque rápido ou com um jogo mais directo. Jogar desde trás não é sinónimo de beleza e muito menos de qualidade, há-que se criar condições aos jogadores para o fazer, interpretar que ritmo adoptar neste momento, que espaços são necessários para se sair de uma situação de risco elevado e pressing alto ou onde estarão as vantagens para se chegar aos últimos terços do campo.
O pensamento sobre o jogo conheceu, ao longo do tempo, diferentes contextos. No entanto, através de uma revisão de literatura verificamos que já em 1935, Cândido Oliveira, na sua obra “Football Técnica e Táctica” defendia o jogo como um rendilhado de triângulos, interligações criadas entre os vários intérpretes dentro do campo, tal como aconteceu mais tarde com Rinus Michel na Laranja Mecânica de 1974, ou no FC Barcelona do início dos anos 90 ou da era Guardiola.
Desta forma, esta proposta surge com o objetivo de desconstruir, principalmente, um dos sub-momentos da organização ofensiva – construção – sem dissociá-la dos restantes – criação e finalização – para que seja mais facilmente entendida, interpretada e treinada.
Macro Princípios da Construção de Jogo Ofensivo
De forma a contrariar o pressing adversário com critério e qualidade é necessário ter sempre em linha de conta três variáveis – espaço, tempo e número. Um dos principais erros cometidos quando se procura jogar desde trás é o facto de a equipa estar toda confinada ao seu meio-campo, com linhas muito baixas e próximas, ou seja, com menos espaço para jogar, convidando o adversário a pressionar e a provocar o erro em zonas muito próximas da nossa baliza, ditas zonas de risco. Se existe menos espaço, existirá, consequentemente, menos tempo para decidir corretamente.
Assim, para uma construção de sucesso é necessário criar situações favoráveis em termos espaciais, temporais e numéricas para se chegar ao golo, provocando instabilidade defensiva no adversário e criando situações próximas da baliza adversária, mantendo a posse de bola o máximo de tempo possível.
Os jogadores devem-se sentir confiantes para jogar desde trás com a bola controlada. Para além disso, é essencial manterem-se serenos e pacientes de forma a entrar no bloco defensivo do adversário no momento certo, sendo essencial garantirem vantagens/superioridades, sejam elas numérica, espacial ou qualitativa. Para além dessas características, os jogadores devem ser potenciados de forma a ter capacidade de interpretar os momentos em que se deve e pode mudar os ritmos de jogo, principalmente quando se deve ou não acelerar jogo.
Outros fatores de sucesso para uma construção limpa é a implementação de dois princípios inerentes a praticamente todas as equipas que optam por um ataque posicional – o princípio do homem livre e do 3º homem. O primeiro diz-nos que o jogador deve, sem oposição, conduzir a bola para atrair e fixar adversário. Esta decisão permitirá a um colega de equipa que estava marcado fique sem oposição e colocar-se em diagonal em relação à bola (perfilado) de forma a poder receber bola num espaço entre-linhas. A dinâmica do 3º homem procura ser uma forma de criar perigo e ultrapassar opositores através do espaço interior com a intervenção de 3 atletas, procurando ficar com a bola de frente para os defesas.
Subprincípios Colectivos da Construção de Jogo Ofensivo
- Campo Grande
Ocupações racionais do espaço, com os jogadores bem distribuídos no terreno de jogo – centrais abertos, laterais projetados nos respectivos corredores em função dos avançados. Os 3 avançados devem-se posicionar à profundidade, a empurrar ao máximo a linha defensiva adversária para trás, com foco para o ponta-de-lança que pode se posicionar para lá da linha defensiva, uma vez que não há fora de jogo nesse momento do jogo – Profundidade ofensiva.
- Interpretar a Pressão
Os jogadores devem ser convidados a analisar o contexto que o jogo oferece. Interpretar a pressão do adversário, isto é, se pressionam com 1, 2 ou 3 jogadores, se estão a convidar a jogar por dentro ou por fora e verificar onde é que poderá garantir superioridade/vantagem na fase de construção – numérica, quando, por exemplo, o MD baixa para entre os centrais para garantir uma situação de 3×2, ou espacial, quando garante uma linha de passe vertical aos centrais nas costas da pressão adversária. Desta forma, os centrais e guarda-redes devem ter uma boa visão panorâmica do campo e os médios devem ter a capacidade de mexer muitas vezes a cabeça, mexer pescoço, ler por cima do ombro, interpretar de onde vem a pressão para a seguir poder tomar uma decisão consoante estes fatores. Na inviabilidade de ser solução para os jogadores do sector mais recuado, deve libertar espaços para outros colegas aparecerem nesse espaço.
- Criação de Espaços e Jogar desde Trás
Sair a jogar de trás com a bola controlada utilizando as linhas de passe dos centrais, assumindo-se como primeiros criadores de jogo. Na impossibilidade ou no risco de o fazer existe a possibilidade do Médio defensivo baixar para ajudar na construção fazendo ligação com os centrais especialmente se adversário tiver 2 avançados a pressionar “Saída Lavolpiana”. Os laterais deverão adaptar sempre o seu posicionamento de forma a ser solução exterior aos centrais ou aos médios. Possibilidade de um dos Médios centro baixar para ajudar.
- Variabilidade de Jogo Interior e Exterior – Circulação da bola
Os jogadores devem demonstrar paciência na circulação de bola para criar condições para poder jogar para a frente. Quanto à tomada de decisão, os jogadores devem ir variando as suas decisões criando instabilidade e dúvidas ao adversário, ora jogando por dentro ora por fora. No entanto, num carácter sugestivo, os jogadores devem dar preferência a sair a jogar no corredor central já que dessa forma permanecem no corredor da baliza e consequentemente do golo mas, também, por os espaços laterais serem muitas vezes zonas de pressão para os adversários. Os médios centro devem-se posicionar nas costas da 2ª linha de pressão e no tempo certo mostrarem-se para jogar na frente ou ao lado do adversário. Numa prespectiva de equilíbrio defensivo e de prevensão de perda de bola, o central e lateral do lado contrário da bola assumir um posicionamento no corredor central. Se adversário fechar corredor central significa que existe espaço por fora – mexe com o adversário movimentando a bola.
Subprincípios Individuais da Construção de Jogo Ofensivo
- Passar a bola com uma intenção e posicionar-se de imediato para a acção seguinte. Oferecer solução ao colega para que a bola continue em movimento e a equipa continue a controlar e a dominar a posse de bola e o jogo. Por vezes há que passar e movimentar-se, outras vezes há que passar e ficar parado;
- Os guarda-redes devem evitar fechar campo, isto é, devem manter as suas costas para a baliza mantendo-se sempre de frente para o adversário;
- Centrais abertos e a ver jogo sempre de frente. Com espaço devem procurar fixar adversário procurando homem livre.
- Os passes dos centrais para os laterais ou médios devem ser sempre para o pé mais longe do adversário de forma a facilitar a recepção e posterior condução;
- Passar a bola para o colega recebê-la em movimento;
- Quando o Central avança com bola o médio-defensivo deve compensar a sua posição e os restantes elementos da defesa devem ajustar posicionamento para prevenir perda de bola;
- Os médios devem procurar jogar de perfil, virtude que permitirá sempre interpretar o que acontece no centro de jogo e ler o que acontece nos sectores mais avançados do campo, antecipando a sua decisão antes da bola chegar aos seus pés;
- Laterais devem manter as costas para a linha lateral mais próxima, procurando interpretar de onde vem a bola e de onde vem a pressão;
- Utilização da dinâmica do Homem livre e de 3º Homem. Centrais provocam adversário, convidam-no a pressionar, para libertar bola para homens livres ou procuram ligar entre linhas de forma a que um dos médios ou avançados receba a bola de frente para os defesas.
Propostas de treino
O nosso jogar está intimamente ligado à forma como treinamos. Eu sou da opinião de que o treino deve oferecer sempre ao atleta o contexto de jogo, cada exercício deve estar alinhado com as nossas ideias de jogo e com a identidade do clube no qual estamos inseridos.
Neste prisma, os jogos de posição adoptam um papel fulcral na planificação de uma equipa que pretende jogar em ataque organizado. O mais importante é o facto de os atletas jogarem sempre nas posições nas quais vão ser utilizamos nos momentos competitivos. Estes podem tem formas, números e espaços completamente diferentes, potenciando um maior número de estímulos aos jogadores.
Os jogos de posição são um dos melhores meios de treinar e potenciar dinâmicas técnicas, tácticas, mentais ou físicas, já que os atletas jogam nas suas posições, potenciando e repetindo ao longo da semana muitas acções, sejam elas ofensivas ou defensivas, que terão no jogo. Desta forma, ficam algumas sugestões de estratégias e formas de treinar e potenciar uma construção de jogo segura, confiante e de qualidade, de exemplos mais simples, como rondos até a situações mais próximas do jogo formal.
Bibliografia
FREITAS LOBO, Luís. O PLANETA DO FUTEBOL, Prime Books, 2009
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