Olá caro leitor!
Hoje vamos falar sobre um tema que serve para justificar muitos sucessos e fracassos mas que poucas vezes é alvo de integração na melhoria de habilidades no decorrer de uma época desportiva. Estamos a falar, claro está, da concentração!
Ouvimos muitas vezes os treinadores referirem o seguinte, nas conferencias de imprensa após os jogos:
- “Conseguimos ganhar porque mantivemos a concentração até ao último minuto! Soubemos sempre o que tínhamos a fazer!”;
- “Depois do golo que na nossa opinião foi mal anulado, desconcentramo-nos, foi pena, não conseguimos sair com o resultado que queríamos, mas vamos levantar a cabeça!”
- “Acabámos por vacilar nos penaltis. Não acredito em sorte… talvez o adversário estivesse melhor preparado para este momento.”
- “Sei que era obrigatório ganhar hoje e o adversário era teoricamente mais frágil… mas entrámos distraídos… pouco concentrados!”
Se esta habilidade é tão identificada, tão alvo de justificações – por vezes até com maior ressalva que aspetos técnicos e táticos – porque é que em muitos casos, não se inclui no processo anual de treino? Porque é que os atletas – individualmente e a equipa – coletivamente não treinam de uma forma consciente e sistematizada estes conteúdos?
É natural ouvirmos também, tanto no processo de formação desportiva, como a nível de alto rendimento, os elementos da equipa técnica referirem muitas vezes para os atletas se concentrarem. De facto o feedback de instrução está dado. Porém temos de perceber que uma das principais funções de uma equipa técnica, e no patamar mais elevado, o treinador, é direcionar os atletas para o plano de jogo, para a ação… para a tarefa. Ao referirem aos atletas para se concentrarem, têm de dar pistas que os direcionem para onde é essencial os atletas gastarem energias… sendo neste caso, os comportamentos facilitadores/apetitivos, para o alcance do rendimento desportivo, e como consequência dos objetivos de performance e resultado definidos.
Por isso, sempre que um elemento de uma equipa técnica direcione o feedback de instrução para a concentração é essencial que tenha total conhecimento sobre:
- O que é a concentração?
- Quais os tipos de concentração?
- Qual a direção e amplitude da concentração?
- Como pode ser treinada a concentração.
Só desta forma é que a resposta por parte do atleta poderá atingir níveis de performance elevadas nesta habilidade. Assim sim, o treinador estará a direcionar corretamente o comportamento do atleta para os estímulos importantes para o seu jogo.
Vamos então explorar este tema. Vivemos atualmente numa sociedade considerada digital, onde tudo está á distancia de um clique. Podemos mesmo referir que o contexto da sociedade atual vive perante um híper-estimulo. Sendo determinante a pessoa escolher/selecionar a informação ao qual deve prestar atenção.
Este é sem duvida mais um exemplo em que poderemos transferir o funcionamento da sociedade geral para o desporto. É exatamente igual. Muita informação, muito estimulo. Tanto antes, como durante, como após a competição. Já para não falar de todo o contexto que envolve o atleta como, pais, amigos, namorada, etc. Tudo isto influência. Tudo isto necessita de seleção de informação. Sendo essencial o atleta selecionar sempre o que lhe é favorável para o equilíbrio emocional, bem-estar e rendimento desporto.
O que é afinal a Concentração?
A concentração é a capacidade que o individuo/atleta/treinador tem para direcionar a atenção para um determinado ponto de estimulo em especifico. (Exemplo: Pensar na ação do contra-ataque no basquete e nos estímulos importantes desse momento. Deixando lances passados, e estímulos não importantes (adeptos, árbitros etc…) de lado).
Podemos também referir que a concentração apresenta 3 propriedades fundamentais:
- É seletiva: é capaz de filtrar os estímulos que são importantes para a situação e desligar dos que não são importantes (atentem á imagem de capa do artigo – o estimulo importante é a bola e a ação que está decorrer – tudo o resto é baço e irrelevante para a tarefa)
- É limitada: É incapaz de desenvolver com eficácia varias tarefas ao mesmo tempo. A direção da atenção deve estar sempre para a ação presente.
- É oscilante: O estado de alerta, ou o estado de direção da atenção para a tarefa não é permanente. É natural o atleta oscilar os níveis de atenção. Desta forma, é essencial que este tenha mecanismos para conseguir direcionar o foco de novo para a tarefa (ex: após golo falhado, o atleta pode baixar os seus níveis de concentração)
Uma coisa é certa, já percebemos todos da importância desta habilidade para o rendimento desportivo de uma equipa e dos seus elementos. Vamos então dar aqui duas pistas essenciais para direcionar a atenção para os aspetos relevantes da competição. Podemos então dividir em duas pistas:
- Pistas Externas: Este tipo de pistas refere-se ao que está no exterior ao atleta. Bola, baliza, adversários, colegas, publico, árbitros, referencias especificas no campo, etc;
- Pistas Internas: Aqui falamos dos pensamentos ou das ações internas ao atleta: Pensar no plano de jogo, concentrar-se na respiração, visualização mental, etc.
A seleção adequada dos estímulos para cada uma das pistas é sem duvida a base para a concentração nos atletas e em equipas desportivas. Educar, sensibilizar e treinar estes conteúdos sem duvida irá fazer com que o atleta tenha uma maior consciência sobre a direção que tem de dar a atenção e quais os estímulos que de facto são favoráveis ou não á sua performance dentro do campo.
Porém todo este trabalho só é possível se percebermos que a concentração apresenta amplitude e linha do tempo. Vamos primeiro á amplitude.
Quanto á amplitude a concentração pode ser:
Estreita: Quando o numero de estímulos do meio a captar é reduzidos. Imaginem um lance livre no Basquetebol. Estímulos são poucos. A bola e o cesto como pistas externas e a rotina do atleta como pista interna.
Ampla: Aqui já falamos de uma fração de jogo. De um momento de jogo em que é necessário captar vários estímulos ao mesmo tempo. Vamos pensar no momento defensivo no Hóquei em Patins. O atleta tem de estar atento ao posicionamento dos colegas, do marcados direto e do local onde está a bola. Ou seja, o numero de estímulos é maior.
Como vêem, só falamos de estímulos que estão dentro da ação do jogo, são esses os estímulos importantes. Tudo o resto que o envolve tem de perder destaque e tornar-se irrelevante.
Ora e quanto á linha do tempo? Pois é, a concentração tem em consideração o continuum do jogo. A sua história e os seus acontecimentos. Controlar esses aspetos e saber em que momento deve estar a nossa atenção é essencial para potenciar esta habilidade.
- Passado: Tem a ver com os acontecimento passados no jogo, ou em jogos anteriores. Este tipo de pensamento gera instabilidade emocional e geralmente está associado a quebras de confiança por parte do atleta (ex: batido no canto pelo marcador direto no futebol… o jogo continua mas o pensamento fica naquele momento);
- Presente: Pistas externas (objetos) e pistas internas (pensamentos) direcionados para o momento do jogo em que está a decorrer a ação. (ataque organizado… o jogador pensa nos seus movimentos e direciona a atenção externa para os estímulos importantes… bola, colegas…);
- Futuro: “Será que vou estar bem no jogo?”; “Não posso perder!” Este tipo de pensamento, direcionado para o futuro e quase sempre para o resultado, traz instabilidade emocional, duvidas e interrogações.
Onde deve então estar centrada a atenção? Como podemos ajudar os nossos atletas a melhorar esta habilidade? Como podemos nós próprios enquanto treinadores melhorar isto?
Que ferramentas poderemos então utilizar para treinar a concentração, tanto em atletas como treinadores?
Antes de destacar algumas estratégias práticas. Destaco que as mesmas apresentam um carácter global, sendo técnicas gerais. Torna-se então essencial perceber sempre que cada atletas tem as suas necessidades e que cada caso é um caso, tendo as mesmas sempre de ser ajustadas e adaptadas ao contexto individual. Destaco também a importância total da presença de um Profissional em Psicologia do Desporto pois todo este trabalho apresenta um programa metodológico com fases para educação, aquisição e consolidação desta habilidade.
Treinar a Concentração – Fora do Campo
- Aprender a mudar a atenção: Este exercício vai ao encontro do treino da amplitude (ampla ou estreita) e direção (externa ou interna) que abordei em cima. Podemos fazer este exercício de olhos fechados e numa posição confortável, seguindo estas etapas:
- Presta atenção aos sons ambientes que te rodeiam e direciona a atenção só para esses estímulos;
- Passa para as sensações do teu corpo (frequência cardíaca, temperatura, circulação sanguínea, etc…)
- Passa depois para os próprios pensamentos e emoções;
- Por fim, abre os olhos e concentra-te apenas num objeto que se encontre á tua frente. Concentra-te só nesse e ignora tudo o que está á volta.
- Aprender a manter a concentração: Todos sabemos que, se um atleta for competente em manter a concentração mesmo na presença de distrações ou interrupções, a sua performance é claramente mais próxima da sua capacidade máxima. Para treinar esta habilidade o atleta pode escolher um local sossegado, onde não haja distrações. Escolher um objeto relacionado com a sua modalidade (bola, raquete, stique, ou outro). Pegar no objeto com as duas mãos e sentir as texturas, tamanho etc. Após esse momento, deve largar o objeto concentrar-se apenas nas percepções que obteve quando esteve a pegar. Caso o pensamento comece a divagar, deve repetir a sequência. Vá registando o tempo que consegue manter a concentração interna e externa para verificar a progressão.
Treinar a Concentração – No Campo
- Treinar na presença de distrações – As equipas técnicas tendem sempre a aproximar o treino ao contexto de jogo, promovendo aos atletas capacidades de respostas e adaptação ao contexto que vão encontrar em competição. Porém, o contexto competitivo não apresenta apenas a componentes técnica e estratégica. Há imensas variáveis psicológicas que podem ter uma influência direta na produtividade do atleta e equipa. Desta forma, aconselho sempre, nos contextos em que trabalho, a treinar na presença de:
- Ruido dos Adeptos (optar por áudio): este trabalho desenvolverá uma adaptação ás barreiras de comunicação atleta-atleta e treinador-atleta e ajudará os elementos da equipa a adaptarem-se e tornarem este estimulo numa presença sonora irrelevante no dia do jogo;
- Barulho ambiente – sinais sonoros de pouco destaque mas que estejam presentes e possam provocar distração;
- Imagens que distraem: Dependendo da modalidade, colocar no contexto de treino imagens significativas para a equipa, que os possam fazer distrair da tarefa. O objetivo passa também por adaptar a equipa ao estimulo que pode ser perturbador na competição;
- Treinar á temperatura da competição;
- Adaptar os treinos aos horários do jogo (Nas realidades em que se possa fazer isso)
- Treinar o Controlo Visual: É natural que, no decorrer do jogo o atleta direcione o olhar para distrações, provocando momentos de desconcentração, o que, como é lógico afetará a sua produção. Olhar para os espectadores, instruções do árbitro e comportamentos desajustados do adversário são alguns dos exemplos. O treino que podemos fazer aqui é direcionar o foco visual para os sinais que são importantes para a tarefa. Podemos então selecionar objetos de destaque para substituirmos os distratores, como: Fixar o olhar num determinado ponto do campo, na bola, nas meias. O importante é que esse objeto mantenha o atleta concentrado no jogo.
Deixei então algumas das estratégias que poderão ser utilizadas para trabalhar a componente que mais vezes é falada e por vezes, menos é treinada, adquirida e consolidada. Para abordar mais aprofundadamente este tema, pode entrar em contacto comigo via email ou deixar um comentário ao artigo.
Caro leitor.
Até breve!
Olá, mais um excelente artigo mas fiquei com uma dúvida.
Sou treinador de Benjamins e Traquinas de Futsal. Sabendo que nestas idades (entre os 7 e os 11) os atletas são naturalmente distraídos e pouco concentrados será que o treino da concentração é adaptável também a estas idades e se sim como? ou se por outro lado é desadequado que se comece a treinar estes aspectos tão cedo.
Sabemos que até ao escalão de Infantis (13 anos) o jogo deve ser exclusivamente lúdico mas não deixa de ser verdade que a realidade nos desmente a cada dia pois a exigência, nem tanto de resultados, mas sim de preparação técnica, táctica e de mentalidade, que os escalões acima exigem quando estes atletas lá chegam, e por isso a minha questão é como conciliar as necessidades dos mais velhos com a realidade do desporto de formação sem desvirtuar a vertente lúdica que o desporto até uma certa idade deve ter?