Atualmente, vivemos num mundo cada vez mais tecnológico, cada vez mais desenvolvido, em que é muito mais apetecível para uma criança/jovem ficar fechado em casa a jogar computador ou playstation do que vir para a rua jogar futebol com os amigos. No entanto, não só pelas tecnologias se deixou de ver tantas crianças na rua, mas também pelo facto de terem uma grande sobrecarga escolar (além das aulas, ainda vêm cheios de trabalhos de casa), a qual não lhe retiro qualquer importância, no entanto, esta deveria ser repensada e transformada em algo mais produtivo para o desenvolvimento intelectual das crianças/jovens.
Este fator é muito visível no desenvolvimento, principalmente técnico, dos atletas da formação. Aquela “peladinha” jogada com amigos no mítico ringue da aldeia, que já foi palco de mais finais de Ligas do Campeões do que aquelas que a verdadeira prova conta…aquela “peladinha” que era jogada em terrenos irregulares…aquela “peladinha” com bolas deformadas…aquela “peladinha” com as regras que nós queríamos, aquela “peladinha” que mesmo que estivesse 20-0, quem marcasse ganhava…aquela “peladinha” que faz tanta falta.
Contudo, para colmatar a falta que o futebol de rua deixou, houve a necessidade de criar diferentes estratégias que possibilitem aos atletas de “receber” diferentes estímulos daqueles que recebiam com a aprendizagem tradicional e lhes permitam um melhor desenvolvimento. Ou seja, podemos entender por aprendizagem tradicional uma prática repetitiva do mesmo gesto/movimento durante algum tempo, até que os mesmos sejam interiorizados. Com isto, Wolfgang Schöllhorn, “professor alemão da Universidade de Johannes Gutenberg e “pai” da Teoria da Aprendizagem Diferencial, defende que o atleta não aprender pela repetição e correção dos erros, mas pela adaptação da sua técnica, de forma intuitiva, a um vasto conjunto de problemas e dificuldades.”
Portanto, podemos entender a aprendizagem tradicional como sendo o método repetitivo, onde há uma sistemática repetição de movimentos e gestos pretendidos. Por exemplo, os atletas fazem passes frente a frente, durante 5 minutos, ou os atletas fazem condução de bola entre os cones durante 5 minutos, ou há repetição de uma jogada padronizada durante 5 minutos. Podemos também entender a aprendizagem diferencial como sendo a não repetição do mesmo movimento, em que com o erro, o atleta vai começar a perceber e adaptar, de modo a reduzido o mesmo. Por exemplo, fazer condução de bola durante 3’, sendo que a cada 20’’ se muda o pé, ou a zona de contacto com a bola. Nesta aprendizagem há uma grande variabilidade de movimentos, sendo que se podem manipular algumas variáveis como os objetos, o padrão corporal ou o ambiente.
Na minha opinião pessoal, há vantagens e desvantagens associadas a ambas as aprendizagens. No que respeita à aprendizagem tradicional, a principal vantagem é a aquisição das bases do movimento. Ou seja, se estou a repetir o mesmo movimento durante 5’, deverei conseguir após isto, realizar o mesmo com alguma facilidade. As grandes desvantagens serão que se aprender mal, vou estar sempre a repetir mal e vou ter uma execução errada do movimento/gesto. Também, devido à falta de motivação que uma repetição de movimentos/gestos durante um período longo de tempo provoca, vai ser mais fácil o atleta “desligar” disto e, passados uns minutos, estar a fazer por fazer ou mesmo a não fazer. Para mim, serão estas as principais vantagens e desvantagens da aprendizagem tradicional.
Em relação às vantagens e desvantagens da aprendizagem diferencial, e começando pelas vantagens, serão que devido à grande variabilidade de movimentos, será difícil o atleta “desligar” do exercício, pois há uma grande estimulação cerebral, uma vez que os atletas têm que estar sempre a mudar padrões, formas de colocar o pé, estar atentos à mudança de direção da bola, etc… proporcionando assim um maior número de tempo em atividade do que o proposto na aprendizagem tradicional. Também o facto de proporcionar estímulos aproximados a realidades do jogo ou mesmo a possibilidade de se aproximar de contexto semelhantes aqueles que o futebol de rua oferecia. Em relação às desvantagens, como é uma aprendizagem que se procura que haja erro para que o atleta o percecione e corrija, poderá também o mesmo não ser percecionado pelo atleta e este aprender a fazer de forma errada ou em casos extremos, o atleta não conseguir fazer nenhum transfer daqueles movimentos para o jogo de “futebol normal”.
Portanto, acho que não se deva só aplicar uma aprendizagem tradicional no treino dos escalões de formação, nem só uma aprendizagem diferencial. Acho sim que se deva encontrar um equilíbrio entre ambas as aprendizagens para um melhor desenvolvimento dos atletas.
Na minha perspetiva, a aprendizagem diferencial será o caminho mais correto a seguir no futebol de formação, porque são estímulos de circuito abertos e não fechado. Ou seja, a aprendizagem diferencial proporciona-nos diferentes respostas para o mesmo problema, sendo que a aprendizagem tradicional proporciona uma resposta para um problema. Por exemplo, se um atleta só está habituado a jogar com o pé direito, no momento que tiver que utilizar o pé esquerdo, não irá conseguir ou irá realizar mal o movimento. Outro exemplo poderá ser a tradicional realização de passes frente a frente, coisa que raramente deverá acontecer num jogo, pois há sempre jogadores à volta e o ambiente é diferente de treino para jogo.
Não querendo dizer que a aprendizagem tradicional será um método errado para implementar, no entanto, como supra mencionado, a aprendizagem diferencial poderá ser mais benéfica para aplicar no futebol de formação por oferecer outros estímulos que a aprendizagem tradicional não oferece.
Como todos nós sabemos, o Ajax desde sempre foi uma das melhores escolas, senão a melhor escola de formação da Europa. Então, pegando nesta analogia, recentemente saíram algumas notícias de que o Ajax estava a mandar os atletas da formação para as rotundas e para a rua jogar futebol com vista a proporcionar diferentes estímulos. No entanto, não só o Ajax aplica este tipo de aprendizagem, mas também Liverpool e Borussia Dortmund têm vindo a aplicar nos escalões séniores.
Exemplos de variações:
- Variações corporais (jogar com os braços cruzados, jogar com um braço à frente e outro atrás, jogar com as mãos dentro dos calções, jogar a ser agarrado por um colega, etc…);
- Variações dos objetos (jogar com bolas mais pequenas, bolas de râguebi, bolas furadas, garrafões de água, caixas, etc…)
- Variações do ambiente (jogar em terra batida, jogar na praia, jogar em terrenos com descidas/subidas,etc…)
Qual será então o verdadeiro transfer que isto poderá ter para um jogo de futebol 7×7, 9×9 ou 11×11? Vamos supor que numa disputa de bola, o atleta ganhou e está a ser puxado pelo braço. Então, como em treino o atleta já teve uma experiência idêntica a esta, será mais fácil para ele responder positivamente a este estímulo. Jogar com uma bola mais pequena fará com que tenha que aprender a conduzir melhor a bola e a ter mais contactos com a mesma, por exemplo. Portanto, há também que pensar no que é que as alterações poderão ajudar o atleta a melhorar.
No entanto, a aprendizagem diferencial não virá resolver todos os problemas, nem a sua aplicação será sempre tão linear quanto o pretendido. Será preciso implementar, experimentar, criar hábitos e por fim, obter o pretendido.
Por fim, e para terminar, a minha opinião será que o atleta deverá receber estímulos tanto pela aprendizagem tradicional como pela aprendizagem diferencial, no sentido de obter algumas bases com a aprendizagem tradicional e, posteriormente, ter sucesso com a aprendizagem diferencial.
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