Neste artigo, darei a minha opinião sobre a amostragem de cartões em escalões de formação, um assunto de que muito se fala e que divide opiniões. Por isso mesmo, achamos interessante abordá-lo neste projeto.
Existe um apelo forte ao bom senso dos árbitros na tomada das decisões. Mas, como qualquer frequentador atento de pavilhões desportivos já constatou, num determinado lance as leituras podem variar e divergir consoante o benefício que cada um dele obterá. Assim, o que significa isto de apelar ao bom senso?
A meu ver, até ao escalão de benjamins (inclusive), o árbitro nem deveria entrar em campo com cartões no bolso. E acredito que, mesmo assim, é possível que tudo corra bem e que as regras sejam todas cumpridas. No escalão de infantis defendo que o árbitro tenha cartões, mas adote uma postura marcadamente formativa mostrando-os com ponderação. De iniciados (inclusive), para cima, tudo normal. Neste artigo, vamos-nos focar nos escalões até infantis (inclusive).
Quer isto dizer que o árbitro deve ter uma atitude pedagógica? Claro que sim. Tal como os treinadores e os pais na bancada (que devem ser os primeiros a dar o exemplo).
No entanto, eu não tenho dúvidas de que, antes de exigirmos aos árbitros atitudes pedagógicas, devemos todos procurar saber estar para evitar muitas situações desagradáveis. Lembrem-se sempre que quem educa as crianças são os pais. O treinador deve ser apenas mais um a contribuir para a educação de uma criança. Se alguma destas figuras – que ela tanto considera – falhar, a criança pode tornar-se gravemente mal-comportada.Todas estas pessoas (árbitro, treinador, pais) devem ter, antes de mais, uma postura formadora do bom carácter da criança.
Imaginemos uma situação extrema: uma criança agride outra, deliberadamente, durante um jogo. Esta ação merece uma resposta conjunta do seu treinador e do árbitro. Todos os outros presentes no pavilhão – na bancada e no banco adversário – devem manter-se calados. Mas atuar não significa, obrigatoriamente, mostrar um cartão. Atuar pode passar, simplesmente, por uma conversa ou explicação e, como tal, o jogo deve parar o tempo necessário para se ter uma conversa com a criança e removê-la do jogo. Tenho a certeza de que uma grande maioria das crianças se irá desfazer em lágrimas depois de ouvir uma boa explicação, mas depois assume o seu erro. E não acho que a criança deva ficar impedida de voltar a entrar. Ela pode entrar novamente depois de uns bons minutos fora, que podem ser aproveitados para lhe explicar que saiu de jogo devido à sua atitude incorreta. Quando a criança é chamada para entrar novamente, numa evidente manifestação de confiança por parte do seu treinador, pode ser-lhe dito que está desculpada e que lhe está a ser dada uma nova oportunidade pois existe a confiança de que ela não irá repetir o erro.
Formar mandando para a rua (EXPULSANDO DO JOGO ???) é castigar, não resolve. Agredir é um erro e as crianças devem entender a SUA gravidade através de explicações dadas as vezes que forem necessárias por quem tem o dever de as formar.
O grande problema nestes casos é que não ocorre ao adepto e ao treinador da equipa do atleta agredido o tal bom senso a que apelam constantemente e até noutras situações da vida. Muitas vezes até se esquecem de que um dos seus está no chão (que pode, inclusivamente, estar magoado). A bancada reage com ofensas a uma criança e o banco reage pedindo cartão vermelho, ou seja, antes de se preocuparem com o seu atleta, preocupam-se em castigar severamente o outro. Isto é que é bom senso? Isto é que é saber estar? Isto é que é preocupação com a formação?
A criança que tem uma atitude destas não é, forçosamente, mal-educada. Não se deve correr a crucificar pais e treinadores, mas quando estas situações ocorrem, a criança precisa que estas figuras que ela tanto admira a façam ver que errou, a apoiem e a façam entender que a sua atitude, embora não tenha sido a mais correta, pode ser corrigida.
Se uma criança erra e volta a errar, pais e treinadores têm de estar disponíveis para ajudar. Se se auto intitulam formadores, devem estar sempre dispostos a ajudar, a corrigir.
Este é um caso extremo que, felizmente, raramente sucede, mas se o soubermos analisar de forma ponderada, estaremos preparados para lidar com os casos menos graves.
Nunca podemos deixar que a preocupação por atingir um resultado se sobreponha a atitudes de um verdadeiro formador, mesmo que estas possam custar um resultado negativo. A obsessão por resultados gera, em torno das crianças, ambientes para os quais elas não estão nem têm de estar preparadas. Muito por causa disso elas erram mais do que o normal e pensam até em desistir.
Há coisas que se pedem a crianças que são de extrema gravidade, especialmente quando envolvem o contorno das regras. Por exemplo, o treinador que pede a um atleta que se atire para o chão numa tentativa de enganar o árbitro está a ter uma atitude muito mais censurável do que qualquer ato irrefletido de uma criança.
Deixemos as crianças crescer com a consciência de que se pode ganhar, empatar ou perder – nunca se é o melhor porque se ganha e nunca se será o pior quando se perde. O caminho para se chegar às vitórias é o do trabalho e da dedicação e nunca outros. O rumo é querer sempre aprender mais para ser cada vez melhor e nunca o de tentar enganar seja quem for.
Nunca nos devemos esquecer dos valores associados ao desporto, pois quando os conhecemos e nos guiamos por eles, somos melhores pessoas. Quando estes valores são passados a crianças devemos acreditar que o futuro será melhor, pois elas são o futuro. O desporto só será uma mais-valia para uma criança se os seus valores forem constantemente implementados e relembrados, caso contrário poderá não trazer benefício nenhum ou mesmo, através de maus exemplos, ter o efeito contrário.
O desporto serve também para educar e não para receber só crianças educadas. O desporto é para quem o quer praticar, é aberto a todos aqueles que o queiram experimentar, é um direito de todos e uma escola de valores e nunca o meio onde tudo vale para se ganhar, porque esse não pode nunca ser o único objetivo.
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