Dizem que a posição de guarda redes é a mais ingrata no futebol.
Para mim é a mais exigente tecnicamente. Aquela cujo mínimo erro é susceptível de comentários vindos de dentro e fora do campo. A que exige mais concentração, preparação e aprendizagem.
Ao longo deste tempo, que faz parte de uma equipa de “competição”, noto que as pressões surgem de colegas, pais e até de treinadores.
Dos colegas que por vezes reclamam quando sofre um golo, no jogo ou no treino.
Dos pais e às vezes até os treinadores, quando gritam sucessivamente para dentro de campo para o guarda-redes fazer rápida reposição da bola em jogo, e muitas vezes para onde e para quem a deve colocar.
Felizmente não têm sido muitas as vezes que passo por momentos desagradáveis.
Recordo o dia em que num jogo alguém disse perto de mim “este guarda-redes é uma porcaria”, usando um vernáculo. “É uma criança” pensei eu. Remoí aquilo mas não liguei, pois estava perante alguém que não conseguia olhar e ver que ali estava uma criança de 10 anos.
Pretendo partilhar a experiência que foram os primeiros anos dele na chamada “competição”. Digo já que não foram fáceis.
No primeiro ano as indisposições matinais nos dias de jogo e as queixas de dores nos dias de treino eram frequentes. Foi um processo de adaptação difícil. Acho que a palavra “competição” lhe colocava uma grande pressão sempre que calçava as luvas. O medo de errar, de ser criticado, de ser preterido, de ser excluído por ser mais fraco eram factores que influenciavam a forma de estar e a sua concentração.
Eu achava que ser preterido o faria estar mais desmotivado do que se fosse para um jogo e sofresse 10 golos. Mas esse não era o entendimento do treinador dele. E eu sempre achei que as opções que tomava, embora nem sempre colidissem com aquilo que eu achava, eram tomadas tendo em vista o bem estar dele no jogo e na equipa.
Nesse ano jogou mais vezes com a equipa B do que com a dele. Provavelmente por entenderem que era o mais fraco, que não transmitia a mesma confiança. No fundo eu tinha noção disso. E ele também, porque mo dizia.
E por muito que até percebesse que a intenção era protegê-lo da desmotivação de sofrer golos, o que é certo é que ser preterido também não era forma de o motivar. E afastar um guarda-redes daquilo que é o mais comum de lhe acontecer – sofrer golos é estar a encapotar um problema com o qual se vai ter de lidar mais cedo ou mais tarde.
Mas o que eu realmente acho é que o meu filho foi protegido de alguns colegas, ou dos comentários deles, se sofresse muitos golos, porque também eles não tinham confiança nele.
De qualquer forma, por muito que sentisse que havia situações que não estavam a ser geridas da melhor forma, nunca entrei em diálogos desnecessários. Isso só prejudicaria a relação dele com o treinador, e eu e o pai achávamos que devia ser ele a dizer o que sentia. Se não se sentisse bem, deveria ser ele a dizer. Afinal quem está no campo é ele. O atleta é ele. Eu era, e sou, um elemento fora do campo.
Sempre lhe incutimos que tinha um compromisso com o treinador e com os colegas, no dia que aceitou integrar a equipa de “competição”. Que esse compromisso devia ser mantido fosse ele convocado para a equipa A ou para a equipa B, e que só terminaria por vontade dele.
Sempre o incentivei a não desistir, a não abandonar o futebol, e principalmente a prática do desporto. E ele não desistiu, apesar de saber que foram muitas as vezes que teve vontade de o fazer.
Hoje é um miúdo completamente diferente do que era o ano passado. Mais confiante e motivado. Mais descontraído, mas com vontade de aprender para ser melhor. É esforçado e interessado, e acima de tudo quer jogar futebol para se divertir porque como ele me dizia no outro dia “mãe eu sou uma criança”.
Dizem que ser Guarda-Redes é a posição mais ingrata do futebol, eu digo que até pode ser a mais ingrata mas é sem dúvida a mais apaixonante.
*Este texto não foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico.
Como Mãe de um pequeno Guarda-redes penso igual!! Pode ser a mais ingrata mas a mais apaixonante !! Que os nossos pequenos guardiões tenham muita sorte!!
Estou do outro lado do Oceano Atlântico, e passo pelas mesmas situações. Mas olhar pros olhos brilhando do meu filho a cada conquista apaga todas as aflições que sinto!
É tão isto! Posição tão ingrata e tão gratificante ao mesmo tempo e que orgulho que temos em cada defesa que faz e que dor no coração quando não o consegue fazer.
Tenho uma filha, 9 anos, joga numa equipa mista, na verdade é a única miúda. E é guarda – redes… Não está a ser fácil. Normalmente é a segunda opção e creio estar hoje pior do que há uns meses. Uma miúda cheia de confiança, sem medo e com jeito, hoje entra nervosa e com muito medo de errar. O mais extraordinário é que, falando na medida do possível de forma isenta, não creio que ela seja inferior ao outro rapaz, antes pelo contrário. O problema aqui, julgo eu, é que há uma diferença enorme entre os jogadores de campo que entram de início e os que entram quando a minha filhota entra. O treinador, em vez de rodar gradualmente, muda toda a equipa ao mesmo tempo (futsal). Resulta daqui que a equipa adversária remata mais naqueles 10 minutos finais do que no resto do jogo todo. Está a gerar – se uma crise de confiança enorme entre todos os afetados, guarda – redes inclusive e neste momento não sabemos o que é melhor para ela. Para piorar, os miúdos mais habilidosos gozam com os outros e, claro, alguns pais não resistem às bocas foleiras nas bancadas. Incrível o contraste com outras equipas adversárias onde nitidamente é privilegiado o grupo em detrimento dos resultados. Falamos de miúdos de 9/10 anos.
Revejo me imenso neste texto!! Tantas vezes já tive de morder a língua para não responder a comentários de pais dos outros meninos quando sofre um golo.
Mas sim, é uma posição para apaixonados e não é qualquer um que tem perfil para ser guarda redes e sofrer com todas as pressões que lhe são exigidas.
Apoio, compressão e muito amor!! A fórmula necessária!!