Aproveitando o subtítulo dado por Valter Pinheiro no artigo “Principais doenças que assolam o futebol de formação em Portugal – Parte I”, publicado no nosso site, decidi aprofundar este tema com exemplos que, na minha opinião, se tornam um denominador comum em treinadores que dão demasiada importância aos resultados, procurando evidenciar-se, mesmo quando são responsáveis pelos mais baixos escalões de formação.
Enquanto treinador, uma das equipas pelas quais estou responsável, pertence ao escalão de traquinas, em que quase todas as crianças nasceram no ano de 2009. Esta equipa participa em torneios nos quais os jogos se disputam no formato 5×5 (Gr+4 vs 4+Gr), e em que, (e muito bem!) não existem tabelas classificativas.
Assim, e em jeito de reflexão sobre o que vou observando nos vários torneios, existem alguns treinadores que têm a tendência a incutir nas suas equipas, nos seus jovens jogadores e na gestão da própria equipa, ideias que, na minha opinião, não ajudam no desenvolvimento do jovem atleta, nem criam bases sólidas para a evolução da sua equipa/clube, chegando mesmo, em algumas situações, a prejudicar os processos de outros treinadores. As situações que irei expor, tornam-se mais graves quando nos referimos aos escalões de formação mais baixos.
- Jogo centrado no melhor jogador ou no mais desenvolvido fisicamente
A maioria do jogo passa pelo melhor jogador ou pelo jogador que “chuta à baliza com mais força”. Nota-se que os restantes elementos da equipa têm a preocupação de lhe passar a bola para ele resolver. O mesmo é o responsável pela marcação de livres em qualquer zona do campo e todos são marcados diretos à baliza.
- Desigualdade nos tempos de jogo de cada criança
Os melhores jogadores não são substituídos, ou ficam de fora menos tempo que os outros (principalmente quando há incerteza no resultado).
- Linguagem desadequada ao escalão etário
Por vezes oiço alguns treinadores com linguagem/conceitos que muitas vezes as crianças não percebem ou não entendem o seu significado. A linguagem deve ser simplificada. É preferível utilizar linguagem menos específica e termos a garantia que os nossos jovens jogadores entendam o seu significado.
- Não rodar os jogadores pelas várias posições
Estamos a falar de crianças! Todos querem ser avançados! Todos querem marcar golos! Mas ao rodarmos por todas as posições (e quando digo todas, também incluo a de guarda-redes) estamos a prejudicar o seu desenvolvimento? Claro que não! Antes pelo contrário! Para além de conteúdos técnicos e tácticos, também os sensibilizamos para o espírito de grupo, para a importância de todos os elementos da equipa.
- Defesa “fixo”
Esta “tática” consiste em colocar um jogador como defesa, limitando a sua acção a isso mesmo, defender e chutar para a frente, não participando na fase ofensiva da equipa. E pior que isto é quando o jogador responsável por esta função é o mesmo em todos os jogos. Será que esta criança se diverte? Será que está a ter, em termos de desenvolvimento enquanto jogador, as mesmas oportunidades que os colegas?
- Pressão alta
Os meus jogadores já interiorizaram que, quando o guarda-redes tem a bola e quer recolocar a bola em jogo, os dois defesas abrem junto das laterais para poderem receber a bola e “sair a jogar”. Até aqui tudo bem. O problema surge quando, perante um guarda-redes com menos força para passar a bola, ou algum dos defesas com capacidade técnica inferior, o treinador da equipa contrária, ordena uma marcação individual, muitas vezes colocando os melhores jogadores e/ou os mais desenvolvidos fisicamente, a ganhar a maioria das bolas naquela zona, tem muito mais facilidade em marcar golos. Faz parte do jogo? Faz. Faz parte do crescimento das crianças enquanto futebolistas? Podemos dizer que sim. Estará correto? Talvez. Deverão os treinadores ser sensíveis a esta situação? Sim, na minha opinião.
- Lançamentos laterais diretos à baliza
O jogador mais desenvolvido fisicamente, executa os lançamentos laterais diretamente para a baliza e para a “confusão”. O que resulta daí? Golos, autogolos, penaltis por mão na bola, confusão, choro, etc. Faço as mesmas questões e dou as mesmas respostas do ponto anterior.
- Não ser honesto na arbitragem do jogo
Por vezes a ânsia de ganhar é tanta que nos esquecemos que, para além transmitirmos conhecimentos e o nosso gosto pelo futebol, temos de transmitir valores.
Esta reflexão não tem como objetivo criticar este ou aquele treinador até porque, como todos os outros, também tenho as minhas falhas e aspectos menos bons. Surge sim, no sentido de dar o meu contributo para que todos nós possamos estabelecer bases sólidas na formação de jovens jogadores, nas suas várias dimensões e, acima de tudo, fazer com que eles sintam alegria e paixão pelo jogo de futebol.
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